Por que a Índia cresce? – Reportagem interessante da revista Época

10/11/2011 16:06

 

    Ela é mais parecida com o Brasil do que se imagina. Tem impostos indecentes e um ambiente hostil aos negócios. Tem legislação trabalhista anacrônica e uma infra-estrutura sofrível. Lá, como aqui, o governo gasta muito - e mal. E o Fundo Monetário Internacional (FMI) vive cobrando - sem sucesso – a realização das reformas tributária e fiscal para o país entrar numa rota de crescimento sustentado. Acredite, é isso mesmo. A Índia, a queridinha dos investidores internacionais, o novo eldorado da economia global, padece basicamente dos mesmos males do Brasil. Por que, então, ela cresce 8% ao ano, enquanto nós não chegamos nem a 3%? É provável que nem mesmo os maiores especialistas saibam responder a essa questão. 

    Para tentar esclarecê-la, ÉPOCA foi ver de perto o que a Índia tem que o Brasil não tem. Foi investigar como o exemplo indiano pode ajudar o país a voltar a crescer com vigor e atender a suas enormes demandassociais. Conversamos com empresários, executivos, economistas e políticos do governo e da oposição. Visitamos empresas de tecnologia, indústrias pesadas e órgãos governamentais. Sentimos o pulso das ruas de grandes cidades, como Mumbai (antiga Bombaim, o centro econômico do país), a capital Nova Délhi e Hyderabad, novo pólo indiano de tecnologia. De tudo o que vimos, extraímos 12 lições da Índia para o Brasil.

    Hoje, é consenso entre os especialistas que a principal missão do próximo governo brasileiro será fazer a economia crescer. Depois de termos conquistado a estabilidade econômica, nosso próximo desafio será elevar as taxas de crescimento. Só assim a economia pode ganhar o dinamismo necessário para gerar empregos e atrair investimentos. É justamente na questão do crescimento que a Índia nos oferece um exemplo. Curiosamente, ela ostenta números até piores que os brasileiros em quesitos considerados essenciais pelos economistas. Do ponto de vista dos gastos públicos, um dos indicadores mais usados para avaliar a saúde financeira de um país, a Índia não apenas gasta mais que o Brasil em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). Sua dívida pública é muito maior que a nossa: equivale a 79,5% do PIB, ante 51,5% no Brasil. De acordo com uma pesquisa do Banco Mundial, o Estado é considerado tão ineficiente e burocrático na Índia quanto aqui. E, embora muita gente pense que a Índia é um país de monges budistas e hinduístas, a corrupção, segundo o estudo, é hoje a principal preocupação dos empresários indianos para o desenvolvimento dos negócios. É certo que a Índia não tem os problemas dramáticos do Brasil com segurança.

    Mas, ao contrário do Brasil, que vive em paz com os vizinhos há um século, a Índia tem problemas sérios de fronteira com a China e o Paquistão. Além disso, tem um sistema de castas que ainda impede a ascensão social de boa parte da população. Enfrenta também disputas religiosas que se intensificaram nos últimos anos e estimularam o terrorismo. Não por acaso, a Índia é um dos poucos países que têm a bomba atômica. Seus gastos militares chegaram a 4% do PIB em 2005, em comparação a 1,5% destinado à área no Brasil. Até a abertura econômica implementada nos anos 90 pelo atual primeiroministro, Manmohan Singh, então ministro das Finanças, a Índia foi um país quase socialista. Restringia a iniciativa privada e era praticamente fechada às importações. Proibia até a entrada de Coca-Cola. Hoje, os resquícios do Estado-que-pode-tudo ainda são marcantes, apesar da liberalização da economia nos últimos anos. Mesmo assim, a Índia consegue crescer e prosperar, enquanto o Brasil patina num estado de semi-estagnação econômica. "Precisamos pensar grande", afirma o primeiro-ministro Singh. "Precisamos ir além do crescimento vegetativo, para um crescimento exponencial jamais visto na História."

Mentalidade global

    As principais empresas indianas não restringem sua atuação no mercado global às exportações. Elas querem mais que isso. Querem ser as melhores do mundo naquilo que fazem, para ganhar a disputa pelo consumidor contra quem quer que seja. Seus comandantes parecem acreditar seriamente que podem chegar lá, com a oferta de produtos e serviços de classe mundial. A Índia, com 1,1 bilhão de consumidores, é o segundo maior mercado do mundo, logo abaixo da China. Ainda assim, muitas empresas indianas expandem seus domínios para fora do país. "As empresas indianas entraram na arena global de forma agressiva", diz o empresário Yogesh Deveshwar, presidente da Confederação da Indústria da Índia (CII).

    "Nos próximos anos, um número cada vez maior de empresas indianas vai se globalizar", afirma o economista Arindam Chauduri, autor do livro The Great Indian Dream (O Grande Sonho Indiano, ainda sem tradução para o português) e responsável pelo Centro de Pesquisa Econômica e Estudos Avançados, de Nova Délhi. Na área de tecnologia, os investimentos feitos por empresas indianas no exterior alcançaram US$ 5 bilhões no primeiro semestre de 2006. Desse total, US$ 200 milhões vieram para o Brasil, segundo o Ministério das Relações Exteriores da Índia. Hoje, os investimentos da Índia no Reino Unido, o todo poderoso colonizador de outrora, são maiores que os do Reino Unido na Índia. Em diversos setores econômicos, como aço, petróleo ou indústria farmacêutica, a presença indiana se faz notar. Eis alguns exemplos:

  • A Mittal é a maior produtora de aço do mundo. Ela recentemente se uniu à Arcelor, gigante européia do setor, e tem bases em 60 países, nenhuma delas na Índia.
  • O Grupo Tata, com ramificações nas áreas de siderurgia, eletricidade, telecomunicações, tecnologia e indústria automobilística, faturou US$ 21,9 bilhões em 2005 e está presente em 40 países dos cinco continentes.
  • A Infosys, da área de software, fatura US$ 1 bilhão ao ano. Tem nove centros de desenvolvimento na Índia e 30 em outros países.
  • A Dr. Reddy's, segunda maior empresa indiana da área farmacêutica, controla fábricas na China e no México. No ano passado, comprou uma das maiores empresas alemãs do ramo por US$ 570 milhões.

Agora, segundo informações dadas a ÉPOCA por seu presidente, Satish Reddy, prepara-se para reforçar sua base no Brasil. Deve construir uma fábrica própria de genéricos no país, com o objetivo de faturar US$ 50 milhões por ano a partir de 2012.

Foco no desenvolvimento

    Ao contrário do Brasil, que viveu um processo inflacionário que durou mais de duas décadas, a Índia nunca passou por nada semelhante. Talvez, por isso, o foco da política econômica indiana seja o crescimento. A maior preocupação é gerar riqueza para melhorar a qualidade de vida da população, hoje estimada em 1,1 bilhão de pessoas, 300 milhões das quais vivem com menos de US$ 1 por dia. Formalmente, a Índia não adota o modelo de metas de inflação seguido no Brasil. Ainda assim, as estimativas de inflação sofrem uma  atualização trimestral. "O principal objetivo é promover o crescimento econômico com estabilidade de preços", afirma Muneesh Kapur, diretor do Reserve Bank of India (RBI), o banco central do país, que atua de forma independente do governo.

    A julgar pelos resultados, a estratégia indiana funciona bem melhor que a nossa. Nos últimos dez anos, a Índia foi o segundo país que mais cresceu no mundo, com uma média superior a 6% ao ano, atrás apenas da China. E a inflação, na faixa de 5% ao ano, manteve-se sob controle. Se continuar a crescer no mesmo ritmo, a Índia poderá reduzir de forma significativa a miséria em 20 ou 30 anos. Lá, parece estar claro para todos que, em condições normais, é o crescimento que faz a diferença entre um bom governo e um governo medíocre. A política monetária e a inflação são importantes, é claro. Cuidar das despesas do setor público, também. Seria leviano dizer o contrário. Mas não se pode perder de vista que tudo isso só deve servir para uma coisa: o crescimento econômico e a prosperidade da população. 

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